
Um acúmulo anormal de gordura nas pernas e braços é a principal característica do lipedema, doença que foi descrita pela primeira vez em 1940 e que até hoje é comumente confundida com obesidade ou excesso de gordura comum.
Mas diferente da obesidade, a gordura característica do lipedema, marcada por fibrose, pelo aspecto de "casca de laranja" ou "grãos de arroz" e pelo acúmulo significativo de nódulos que se assemelham às celulites, não responde a dieta e exercícios físicos.
"Vemos mulheres que têm a cintura fina [não possuem alta concentração de gordura na barriga], se alimentam de forma equilibrada, praticam exercícios físicos, e acabam frustradas porque continuam com deformidade nos membros", diz Fábio Kamamoto, cirurgião plástico e idealizador do Instituto Lipedema, localizado em São Paulo.

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o lipedema como uma doença distinta. Em 2022, o quadro foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), um manual amplamente utilizado como referência global para identificação e registro de condições de saúde.
Essa inclusão facilita o diagnóstico padronizado, o registro de casos e o planejamento de políticas de saúde, contribuindo para avanços no cuidado de uma condição ainda pouco conhecida.
No Brasil, entretanto, a adoção da CID-11, prevista inicialmente para 2025, foi adiada para 2027 pelo Ministério da Saúde, que justificou a decisão com a necessidade de treinar profissionais e atualizar os sistemas.
O quadro clínico é caracterizado por cinco estágios distintos, que variam em intensidade. À medida que a condição avança, seus efeitos se tornam mais pronunciados, impactando não apenas a saúde física, mas também a mobilidade e a aparência do corpo.
O lipedema apresenta sintomas característicos que incluem:
alterações como nódulos na coxa que se assemelham a celulite,
apagamento do contorno natural dos joelhos devido ao acúmulo de gordura, e
o formato de "perna ampulheta" (com gordura acumulada abaixo do joelho e afinamento acima dos tornozelos).
Outros sintomas comuns incluem dor, sensação de pernas pesadas, hematomas frequentes e marcas na pele causadas pela má circulação, evidenciando a progressão do quadro e o impacto na saúde e mobilidade.
Separadamente, no entanto, esses sintomas podem indicar outras condições — às vezes, apenas circunstanciais, como o uso de roupas muito apertadas — e o diagnóstico correto, do qual falaremos mais a seguir, depende da avaliação de um profissional de saúde com experiência no quadro.

Uma doença ainda 'em descoberta'
O lipedema é considerado 'novo' não só pela falta de familiaridade de profissionais de saúde com o quadro — que ainda persiste mesmo após 85 anos da primeira descrição — mas também porque faltam respostas importantes sobre o mecanismo da doença.
O cirurgião vascular Mauro de Andrade explica que, por muito tempo, a gordura foi vista apenas como um isolante térmico e depósito de energia. Apesar dos avanços no entendimento de seu papel no controle metabólico do corpo, a gordura característica do lipedema apresenta diferenças significativas, sendo distinta tanto da gordura superficial de outras regiões quanto da gordura visceral, que envolve os órgãos internos.
"Ainda falta entender o mecanismo do acúmulo diferenciado da gordura do lipedema e suas vias metabólicas, ou seja, os processos bioquímicos responsáveis pela produção, armazenamento e mobilização dessa gordura no organismo", diz ele, que faz parte da Comissão de Doenças Linfáticas da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular - Regional SP (SBACV-SP).
Kamamoto acrescenta que a principal pergunta em aberto é por que o lipedema acontece.
"Entender o mecanismo celular exato possibilitaria desenvolver medicamentos eficazes. Sabemos que a doença tem fatores genéticos e está relacionada a uma resposta alterada ao estrogênio, e por isso tende a piorar em fases de mudanças hormonais, como a puberdade e gravidez."
A doença parece reagir de forma negativa a processos inflamatórios, como demonstrado em estudos científicos e na prática clínica. Fatores como alimentação rica em açúcar, gorduras e ultraprocessados, sedentarismo e consumo excessivo de álcool pioram o quadro, porque esses hábitos estimulam a produção de substâncias inflamatórias no corpo.
Além disso, algumas pacientes optam por excluir glúten e lactose da dieta, embora não haja evidências científicas que comprovem benefícios dessa exclusão em pessoas sem intolerância, tornando essa prática uma escolha pessoal, e não uma recomendação clínica.
(saiba mais)
FONTE: g1
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