A mobilização em torno da proposta que quer reduzir a jornada de trabalho legal no Brasil pegou o empresariado de surpresa. É o que diz o executivo Sérgio Mena, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
"Não estava no nosso radar", afirma o empresário. De Nova York, nos Estados Unidos, onde estava em uma conferência do setor, ele diz que acompanha com preocupação o avanço da proposta apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).
O Brasil tem 32 mil farmácias. A Abrafarma representa 11 mil delas, que respondem a 49% da movimentação do setor no país, com cerca de 1,1 bilhão de atendimentos anuais.
Mena afirma que a proposta de fim da escala 6x1, na qual o descanso remunerado ocorre apenas um dia na semana, tem caráter "populista" e vai inviabilizar negócios do setor, já que o segmento utiliza "mão de obra intensiva".
Um abaixo-assinado coordenado por um movimento fundado por um ex-balconista de farmácia, recém-eleito vereador no Rio de Janeiro, já atraiu mais de 2 milhões de assinaturas favoráveis à proposta.
Com a pressão, Hilton anunciou na quarta-feira (13/11), que conseguiu reunir as 171 assinaturas necessárias para protocolar a PEC, "graças à mobilização da sociedade".
"Também adoraria trabalhar menos tempo", afirma Mena. "Mas como entregar resultado e atender o público num setor como o nosso? Entre o que eu gostaria e o que preciso entregar, existe uma distância."
Por ser uma Proposta de Emenda à Constituição, o texto tem ainda um caminho longo no Congresso. Precisa passar pela análise de uma comissão especial na Câmara, pela Comissão de Constituição e Justiça, a CCJ, antes de seguir para o plenário.
"Espero que o Congresso crie um fórum de discussão adequado, que haja audiências públicas que escutem todas as partes interessadas", diz o representante das farmácias.
Confira a entrevista.
BBC News Brasil - Qual é o posicionamento da Abrafarma sobre o fim da escala 6x1?
Sérgio Mena - O custo de pessoal é o principal custo do varejo, até antes do custo de ocupação. Varejo e serviços utilizam muita mão de obra; esse é o maior custo na nossa folha de pagamento. Qualquer movimento que afete isso é muito sério.
Estamos falando em inviabilizar alguns negócios. Imagine uma operação com margem líquida de 3% — no máximo, 5% onde se opera bem; mexer na ocupação e no pessoal impacta muito.
A área de ocupação você gerencia: não abre uma loja se não quiser, negocia aluguel, ou procura outro ponto mais barato. Já com pessoas, isso é mais difícil, pois dependemos delas. Não tem como negociar gente. Não se opera uma loja sem o mínimo de pessoas em certos horários, pelo volume de atendimento.
Empregamos muita mão de obra. Somos o primeiro emprego de muitas pessoas. No primeiro posto, o atendente múltiplo atua em várias funções — no balcão, no caixa, repondo o estoque.
Isso segue o conceito de grandes redes, como McDonald's, para atender melhor com funcionários treinados para várias tarefas. Esta é uma forma de varejo encontrou de você ter pessoas mais pessoas para resolver os problemas básicos do atendimento.
Com isso, temos alta rotatividade e já enfrentamos dificuldades para encontrar profissionais para essa posição. Mexer na carga horária ou disponibilidade agrava o problema.
Na indústria ou em escritórios, talvez funcione; mas no varejo, onde a demanda é alta, não. Nos EUA, grandes redes estão fechando lojas pela falta de pessoal. A Walgreens, por exemplo, fechará 15% das lojas em um ano.
Aqui, as grandes redes ainda não fecham lojas porque continuamos expandindo, mas pequenas farmácias já estão fechando.
Cerca de 54% das farmácias respondem por 20% dos negócios e faturam, em média, R$ 600 mil por ano; a média na Abrafarma é R$ 9 milhões. Se a redução de jornada afetará grandes redes, imagine para farmácias menores, que faturam pouco e ainda precisam funcionar 12 horas.
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